A IMPORTÂNCIA DA PESCA NA PERSPECTIVA DA SOBERANIA E DA INDEPENDÊNCIA NACIONAL

soberania alimentar No passado dia 23 de Junho, a Organização Regional de Setúbal do PCP realizou, no Pinhal Novo, uma iniciativa subordinada ao tema “Soberania Alimentar, Opção Estratégica para o Presente e para o Futuro”, com a participação de João Frazão, da Comissão Política do Comité Central do PCP.

Na apresentação da iniciativa, sublinhou-se que a sobreania alimentar, entendida como o direito de cada povo escolher e produzir os alimentos de que necessita de acordo com a sua realidade, constitui um objectivo de que Portugal não pode prescindir.

No entanto, acrescentou-se, a degradação do aparelho produtivo nacional, a situação da agricultura e das pescas, resultantes das imposições do Mercado Único, da Política Agrícola Comum e da Política Comum de Pescas, da liberalização do comércio mundial, do crescente domínio da grande distribuição e do papel das multinacionais que controlam as cadeias de valor, constituem obstáculos que afastam o país daquele objectivo e o empurram para um grau de dependência externa que é uma ameaça para o presente e para o futuro.

Como em outras dimensões da vida nacional, concluiu-se na apresentação da iniciativa, só uma política patriótica e de esquerda, só a ruptura com a política de direita poderá garantir uma resposta estruturante àquela que é a mais importante necessidade básica que se coloca ao povo português – a alimentação.

Tal como outras entidades presentes, fomos convidados a apresentar uma comunicação, que se transcreve de seguida:

A IMPORTÂNCIA DA PESCA NA PERSPECTIVA DA SOBERANIA E DA INDEPENDÊNCIA NACIONAL

Ao contrário do que se suporia, face às vulgares e generalizadas representações cartográficas, que nos colocam numa estreita faixa costeira numa ponta da Europa, Portugal é Mar, tem um caracter arquipelágico, tem a maior Zona Económica Exclusiva da Europa, sobrelevando, por isso, a centralidade e dimensão atlântica do território nacional.

O mar, fazendo parte da nossa identidade e cultura, muito para além disso, assume uma particular importância para o nosso País, já que nele ocorrem importantes recursos, nomeadamente haliêuticos, os recursos vivos marinhos, que por sua vez sustentam o sector pesqueiro nacional.

O sector das pescas, ainda que diminuído na sua dimensão face a tempos passados, tem, ainda hoje, uma relevante importância para a situação socioeconómica das populações e comunidades ribeirinhas, que dependem fortemente do sector, e contribui, consideravelmente, para o desenvolvimento local e regional dessas mesmas comunidades, para o emprego e para a manutenção de outras actividades económicas e para a manutenção de numerosos postos de trabalho, para além de que constitui uma matriz cultural que interessa preservar.

Mais do que isso, o sector da pesca tem uma importância estratégica para o País, na medida em que cumpre o objectivo necessário do abastecimento público de pescado, contribuindo com recursos próprios nacionais para minimizar o desastroso desequilíbrio da balança alimentar, facto em si, que tendo importância relevante a todo o tempo, é, nos tempos actuais, ainda mais importante, contribuindo para a manutenção da soberania e independência nacional.

Esta questão estratégica da segurança do abastecimento alimentar é uma questão essencial para qualquer povo, já que, está bem de ver, no limite, poderemos não ter acesso a quase tudo que reputamos necessário para a nossa vida quotidiana, mas certamente não podemos desistir desta necessidade diária do acesso à alimentação, sendo, por isso, essencial que garantamos a nossa soberania alimentar, como elemento central da nossa independência.

E no que respeita ao sector da pesca e à contribuição que pode dar nesse sentido, a questão do abastecimento público de pescado é tanto mais importante quanto é certo que o consumo aparente de pescado por habitante é, em Portugal, o mais elevado da Europa, só se comparando em termos mundiais, com o verificado em alguns Estados Ilhas, como a Islândia ou o Japão.

Entretanto, este elevado consumo de pescado, só tem sido possível manter fruto de uma crescente importação de produtos da pesca que hoje já ultrapassa, em muito, a produção nacional, com isso se acentuando o aumento da dependência em relação ao exterior.

É que, as políticas de direita que têm sido prosseguidas em Portugal e as opções tomadas contra os interesses da economia nacional e contra o sector da pesca, umas e outras seguidistas, subservientes e condicionadas pela União Europeia, pelo Tratado de Lisboa e, particularmente, no que à Pesca diz respeito, por uma Política Comum de Pesca, que não tem em conta as nossas particularidades, têm-se revelado desastrosas e têm colocado acrescidas dificuldades ao sector.

Já em 1986, aquando da adesão de Portugal à então CEE, alertávamos para as dificuldades que o nosso sector e as nossas comunidades iriam enfrentar.

A realidade por demais conhecida, confirmando o essencial das nossas afirmações, impôs-se para além delas, revelando-se ser muito pior do que então antecipávamos.

E se as políticas seguidas se medem pelos seus resultados, os números, frios, implacáveis, acusatórios, aí estão para demonstrar quanto mal se tem feito à pesca em geral, e à pequena pesca em particular.

Portugal, que, insista-se, tem a maior Zona Económica Exclusiva da Europa e se mantém como um dos maiores consumidores de pescado por habitante, tem hoje, menos de 14.000 pescadores, quando há 35 anos, eram 41.000, ao mesmo tempo que as embarcações são hoje apenas cerca de 8.000, das quais, 90% com menos de 12 metros, um número bem menor do que as 18.000 que operavam em 1985.

E entretanto, o saldo negativo da balança comercial de produtos da pesca atingiu, no nosso país, em 2015, os 746 milhões de euros, bem diferente dos cerca de 30 milhões de euros verificados em 1985, enquanto o pescado desembarcado, passou das 250.000 toneladas, em 1985, para as 140.000 toneladas, em 2015, valendo, estas, apenas 257 milhões de euros.

Dito de outro modo, enquanto em 1985, a produção nacional, o pescado descarregado, correspondia, em valor, a 70% do consumo, em 2015, a produção nacional correspondeu a, apenas, 25% do consumo aparente.

Estes são apenas alguns, entre muitos outros, os indicadores do declínio que foi imposto às pescas portuguesas.

Estes números, revelam objectivamente, que em apenas pouco mais de três décadas, se destruíram mais de dois terços dos postos de trabalho directos na pesca, que as embarcações, na maioria pequenas embarcações, diminuíram mais de metade, que as capturas diminuíram significativamente, que o rendimento global do sector diminuiu drasticamente, que o sector não responde, hoje, às necessidades do abastecimento de pescado à população.

Na verdade, está hoje bem patente na realidade actual do sector, as consequências de anos e anos consecutivos de políticas de direita de sucessivos governos, das opções tomadas contra os interesses da economia nacional e contra o sector da pesca.

O exemplo mais recente das opções políticas contra o sector, particularmente gravosas, é a da criminosa, tal como foi engendrada e posta em prática, limitação da actividade da pesca da sardinha, um exemplo gritante de uma política, objectivamente contra os pescadores, contra a pesca e contra a economia nacional.

Após anos de um contínuo processo de destruição do sector, durante os quais não se atendeu minimamente às reivindicações e soluções apresentadas pelos pescadores, no sentido da resolução dos reais problemas que se nos colocam, como sejam desde logo, os relativos à questão dos rendimentos da pesca, da valorização do pescado, do custo dos combustíveis, do acesso aos recursos e do licenciamento da pesca, do apoio à pequena pesca ou da renovação da frota, para citar apenas alguns exemplos, assistimos, hoje, a uma ofensiva sem precedentes, desta feita, contra a pesca da sardinha, que, a não ser abandonada, põe em causa a continuação da actividade.

As particulares dificuldades que o país atravessa, aconselha que se aproveitem plenamente as reconhecidas potencialidades do sector, que se abandonem as inadequadas políticas que têm sido seguidas, enfim, ao menos que se não coloquem novas e crescentes dificuldades ao natural desenvolvimento da actividade e que se resolvam os problemas que continuadamente vêm afligindo pescadores e armadores, que não obstante, teimosa e decididamente insistem em contribuir para o desenvolvimento do país.

A não se inverterem as inadequadas políticas que têm sido impostas ao sector, os problemas tenderão a agravar-se, com evidentes prejuízos para as comunidades piscatórias, para o sector e para a economia nacional.

Com efeito, as pescas nacionais estão, na actualidade, confrontadas com uma grave crise económica e social que se caracteriza por uma progressiva degradação do aparelho produtivo, por uma acrescida dependência em relação ao exterior, por uma situação de pré falência de inúmeras empresas e pelo desinteresse de vastas camadas de profissionais e, sobretudo, pelo desinteresse das camadas mais jovens das comunidades que tradicionalmente estavam ligadas à pesca.

A sucessivas restrições e perda de oportunidades de pesca e a uma insistente estagnação dos preços na primeira venda, acresce um continuado agravamento dos custos dos factores de produção, com particular realce para a escalada do preço dos combustíveis, que conduziu a que a situação no sector se tornasse praticamente insustentável, para pescadores e proprietários de embarcações, que veem os seus rendimentos degradarem-se em termos reais.

É por isso que se impõe que, ao invés das políticas que têm vindo a ser seguidas, se enverede por uma política que promova a modernização e desenvolvimento sustentável do sector, embora respeitando o necessário equilíbrio dos recursos haliêuticos, que garanta a satisfação do abastecimento público de pescado, a manutenção plena dos postos de trabalho e a melhoria das condições de vida e de trabalho dos pescadores e que contribua para o desenvolvimento da economia nacional.

Em particular, haverá que promover um programa de apoio específico à pequena pesca, garantindo, para além disso, o acesso a combustíveis a custo reduzido, alargado a todos os segmentos da frota e a todos os tipos de combustíveis, (gasóleo e gasolina) promovendo, simultaneamente, a valorização do pescado na primeira venda, que no caso do cerco, haverá que ser acompanhado pelo apoio à indústria conserveira e ao consumo de conservas portuguesas, e promover a valorização da mão-de-obra, melhorando as condições remuneratórias dos pescadores, garantindo medidas socioeconómicas de apoio no caso de se registarem impactos negativos, decorrentes da aplicação de medidas de conservação dos recursos e garantindo a melhoria das condições de segurança em que se exerce a actividade.

Para que se garanta um desenvolvimento sustentável da pesca e do país.
Para que o sector se desenvolva e aumente a sua contribuição para a defesa da soberania e independência alimentar.
E porque Portugal é mar, a pesca, dizemo-lo nós, tem futuro!

Frederico Pereira
Pinhal Novo, 23.Junho.2018

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